Um novo atlas amplia o debate sobre clima e justiça social na Amazônia brasileira.

58 escritores amazônicos, com diferentes perfis e experiências, desmistificam estereótipos sobre a maior floresta tropical do planeta em livro da Fundação Heinrich Böll.
Publicado em 07/07/2025 as 09:00

A menos de cinco meses da Cúpula das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30 ), o aumento do crime organizado e a destruição ambiental estão erodindo o frágil ecossistema da Amazônia brasileira. A degradação florestal nesta densa região do país sul-americano atingiu 33.807 quilômetros quadrados neste ano, um aumento de 482% em relação ao mesmo período do ano passado, quando a área degradada foi de 5.805 quilômetros quadrados, segundo dados do sistema de alerta de desmatamento da ONG Imazon. Isso ocorre apesar do declínio do desmatamento em todos os biomas do país.

Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma organização sem fins lucrativos, a situação ambiental na Amazônia brasileira se agravou com um aumento de 46% na presença de facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital ou o Comando Vermelho em pelo menos 260 cidades entre 2023 e 2024. Isso se deve à expansão de atividades ilícitas que financiam o tráfico regional de drogas, como mineração ilegal, tráfico de recursos naturais e a desapropriação de terras que são então usadas para a pecuária.

Nesse contexto, explicitar a realidade frenética que compõe uma região tão diversa torna-se essencial. E é isso que a Fundação Heinrich Böll buscou fazer, reunindo 58 autores amazônicos com perfis e experiências diversas para produzir o recém-publicado Atlas da Amazônia Brasileira . Trata-se de uma compilação inédita de 32 artigos que buscam desconstruir arquétipos sobre essa parte da maior floresta tropical do planeta, abordando os desafios, o conhecimento e as oportunidades que ela encerra.

“Existem muitos estereótipos e preconceitos sobre esta região, e é por isso que o Atlas é um recurso tão rico e valioso”, afirma Angela Mendes, uma renomada ambientalista brasileira. “A Amazônia é um bioma vasto e complexo, de enorme importância ecossistêmica, mas as ameaças, a violência e a degradação de seus ecossistemas são proporcionais à sua magnitude.”

Para Mendes, mais do que um registro, é uma ferramenta poderosa para os movimentos sociais em um ano de grande importância para a liderança ambiental do Brasil. "O Atlas pode ser uma fonte excelente e confiável para a implementação ou consolidação de políticas públicas para esta região, que apresenta os piores IDH (Índices de Desenvolvimento Humano) do país", afirma.

Embora 75% da população da Amazônia brasileira seja urbana, as perspectivas das comunidades que a compõem são profundamente diversas, e sua relação com a natureza está especialmente ligada à sua conservação.

Por décadas, porém, o foco do debate esteve longe daqueles que vivem na região. Para Aiala Colares Couto, geógrafa e pesquisadora da Universidade do Pará, que também coordenou o projeto, o Atlas busca mudar esse foco, colocando o debate nas mãos daqueles que pensam a região, garantindo "que suas vozes sejam ouvidas a partir de suas experiências defendendo a região ou como observadores dos desafios que a Amazônia enfrenta".

O projeto aborda uma ampla gama de questões, como conflitos de terra, necessidade de regulação territorial, questões ambientais, violência na região e crime organizado. Esses são, segundo Couto, "temas centrais para se pensar alternativas econômicas baseadas em modelos de desenvolvimento sustentável". Além disso, "apresenta discussões sobre agroecologia, saberes ancestrais e a importância dos saberes indígenas e quilombolas na preservação das florestas e da biodiversidade". O especialista considera o Atlas "uma espécie de manual que descreve as lutas cotidianas das populações locais, mas também aponta caminhos para a construção de um modelo justo, equilibrado e sustentável".

Para a Fundação Heinrich Böll, um dos dados mais preocupantes dos últimos anos foi o desmatamento recorde entre 2019 e 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A entidade também aponta um aumento de 90% no garimpo ilegal em áreas protegidas e terras indígenas, e um aumento de 1.020% no número de pessoas com armas de fogo registradas na Amazônia Ocidental.

A crise climática, as lutas comunitárias e a violência contra ambientalistas são outras preocupações constantes dos autores, que incluem 19 indígenas, cinco quilombolas e dois ribeirinhos. O Atlas também inclui artigos que, segundo Couto, apresentam modelos bem-sucedidos baseados em agroecologia, trabalho coletivo, preservação da biodiversidade e respeito à natureza.

A representação de pessoas de comunidades tradicionalmente excluídas do debate sobre suas próprias vidas na Amazônia terá influência significativa na COP30, que será realizada em Belém do Pará, enquanto o Brasil busca assumir um papel de liderança nas mudanças climáticas em um contexto complexo.

 

 

Fonte: El País