Juro baixo e mudanças no BNDES abrem espaço para mercado de crédito privado no país


Publicado em 20/07/2019 as 15:50

A combinação de juros baixos e mudança na política para concessão de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) alterou a dinâmica de captação de recursos no país. Atualmente, com o custo mais alto para tomar empréstimos no banco público e o rendimento mais baixo dos títulos do Tesouro, o mercado de renda fixa privada vem crescendo.

Essa mudança pode ser vista no volume captado pelas empresas por meio das debêntures (papéis de dívida de empresas). No ano passado, elas arrecadaram um recorde de R$ 153,7 bilhões. Foram 335 emissões, 25% delas incentivadas. Só no primeiro semestre de 2019, o volume captado foi de R$ 84,6 bilhões, em 133 operações, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Se o avanço do crédito privado se consolidar ao longo dos anos, o Brasil vai lidar com uma importante transformação estrutural. Por tempos, o crédito público foi o principal financiador de grandes companhias brasileiras. Na sexta-feira (19), o novo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, reforçou que o banco deve reduzir a concessão de empréstimos.

 

"Em anos passados, o aumento de recursos emprestados pelo BNDES e o avanço da taxa de juros praticamente inibiram o desenvolvimento do mercado de capitais e, particularmente, do mercado de dívida corporativa", afirma o diretor do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), Carlos Antonio Rocca.

O que explica o aumento do crédito privado:

  • O BNDES passou a cobrar mais caro para emprestar, o que obrigou as empresas a buscarem novas fontes de financiamento;
  • A queda da taxa básica de juros nos últimos anos e a expectativa de novos cortes têm levado a investidores a ampliarem o leque de apostas. Hoje, os papéis do Tesouro já não rendem tanto quanto no passado, abrindo espaço para novos produtos.

De 2016 até abril do ano passado, a taxa básica de juros foi reduzida pelo Banco Central de 14,25% ao ano para os atuais 6,25% ao ano, o nível mais baixo da história. A Selic funciona como uma espécie de guia para todo o mercado, inclusive para as empresas. Quando ela cai, é um indício de que o custo para tomar crédito pode ficar mais baixo.

Ao mesmo tempo, o BNDES passou a cobrar mais caro pelos seus empréstimos. O banco de fomento instituiu em janeiro de 2018 uma nova taxa, mais próxima das praticadas por outros bancos e menos subsidiada, a Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).

Hoje, não à toa, em alguns casos, é mais barato para as grandes empresas captarem por meio do crédito privado. Um levantamento do Cemec mostra, por exemplo, que o juro médio cobrado pelo BNDES está em 9,91% ao ano. Já é um valor acima do das debêntures (8,26%) e pouco inferior ao oferecido pelos bancos para as grandes empresas, a chamada Taxa Preferencial Brasileira (10,8%).

"A Taxa Preferencial Brasileira passa a cair exatamente quando as empresas começam a emitir debêntures", diz Rocca, diretor do Cemec. "Isso sugere fortemente que o mercado de capitais compensou a falta de oferta do BNDES. [Com a nova política] o banco passou, de certa forma, a ser um promotor do mercado de dívida corporativa."

Soma-se a todo esse quadro a expectativa do mercado de que os juros voltem a cair diante do cenário de fraqueza econômica e do encaminhamento da reforma da Previdência no Congresso, um pontapé inicial para o acerto das contas do governo. No relatório Focus, os economistas consultados estimam que a Selic vai encerrar o ano em 5,5%.

Esse movimento já é visto na remuneração dos títulos da dívida pública. Num dos leilões mais recentes realizados pelo Tesouro Nacional, em 11 de julho, a taxa para o Tesouro Prefixado (antiga LTN), com vencimento em 24 meses, por exemplo, estava em 5,90% ao ano. Um mês antes, o juro era de 6,25% ao ano e, um ano antes, de 8,93%.

Dessa forma, pela lógica de quem investe, o rendimento mais baixo de papéis do Tesouro tende a aumentar a busca por debêntures e outros produtos de renda fixa privada, que remuneram melhor.

Prazos maiores, mas ainda insuficientes
Os prazos das debêntures também se alongaram, o que sinaliza financiamento de projetos mais robustos. Apesar de mais extensos, os vencimentos desses papéis, de até 14 anos, ainda não atendem de forma significativa projetos de infraestrutura, de até 25 anos. Nesses casos, o financiamento público ainda é relevante, ressalta Rocca, do Cemec.

O banco também segue como um importante financiador das empresas de menor porte, com faturamento inferior a R$ 200 milhões, que têm dificuldade de acessar o mercado de dívida, segundo ele.

"O BNDES continua tendo o papel dele e alguns projetos continuarão sendo financiados por ele, e tem que ser assim, mas temos que ter um bom mix [entre financiamento público e privado]", afirma José Eduardo Laloni, vice-presidente da Anbima.

Fundos
O patrimônio líquido da indústria de fundos bateu recorde de R$ 5 trilhões no primeiro semestre deste ano, outro reflexo dos juros baixos e da busca dos investidores por rendimentos mais altos, segundo os especialistas ouvidos pelo G1. O volume é 15,4% maior do que acumulado até o fim de 2018.


Os fundos são uma modalidade em que o dinheiro é aplicado de forma coletiva e cada investidor é dono de uma cota. O investimento pode ser feito em ações, produtos de renda fixa, ou em uma mistura dos dois.

A captação líquida dos fundos de investimento foi de R$ 130,8 bilhões no semestre, contra R$ 45,6 bilhões nos seis primeiros meses de 2018.

"É o mercado de aplicações em poupança, CDB e instrumentos tradicionais de menor risco [como os títulos públicos], indo para a indústria de fundos, com possibilidade de correr mais riscos, provar ganhos maiores", avalia Laloni.

Outros produtos que podem ganhar mercado são os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e, num segundo momento, os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), segundo os especialistas.

Captação interna x externa
O cenário de juros baixos e o desenvolvimento do mercado de capitais mexeu também com a origem de captação das empresas.

"Quando se começa a ter um mercado de capitais local, uma parte desse mercado [externo] vem para cá. Porque para algumas empresas é ideal tomar empréstimo na sua própria moeda", diz Laloni, da Anbima.

No primeiro semestre deste ano, as emissões de produtos de renda fixa no Brasil somaram R$ 124,4 bilhões, contra R$ 46,5 bilhões no exterior, de acordo com dados da Anbima. As estatísticas consideram debêntures, notas promissórias, letras financeiras, CRAs, CRIs e FIDCs.

"Sempre que há a combinação de inflação baixa, fiscal controlado e juros baixos, se consegue transferir parte dos recursos alocados no Tesouro para a renda fixa privada", diz Rocha, do Insper.

Do G1