Equipe econômica teme que planos de Bolsonaro para reeleição travem agenda liberal


Publicado em 13/08/2020 as 06:32

A queda de dois secretários de Paulo Guedes (Economia) responsáveis por pilares centrais da pauta do ministro foi interpretada por membros da área econômica como um baque na agenda liberal do governo. A avaliação é que o principal problema, que deve se intensificar com o tempo, é a reeleição presidencial.

Na manhã desta quarta-feira (12), após a debandada dos secretários, o presidente pediu a ministros militares que propostas que desagradem o chefe da Economia sejam congeladas temporariamente. O Plano Pró-Brasil, por exemplo, que deveria ser lançado em setembro, agora deve ficar para 2021.

Segundo relatos feitos à Folha, o presidente também pediu que seja interrompida a investida de ministros como Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) ao TCU (Tribunal de Contas da União) em busca de uma brecha no teto de gastos para a inauguração de obras federais.

Na noite desta quarta-feira, ao lado dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), Bolsonaro afirmou, no Palácio da Alvorada, que respeita o teto de gastos. A regra limita os gastos à inflação do ano anterior.

Segundo assessores presidenciais, Bolsonaro avalia que uma agenda de inaugurações é essencial para aumentar as chances de uma reeleição, mas ponderou que agora é o momento de pisar no freio para evitar uma saída de Guedes.

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Em conversa reservada, o presidente expressou preocupação com um pedido de demissão de Guedes, um de seus fiadores no governo. Bolsonaro lembrou que parcela do apoio do governo junto ao setor empresarial é vinculada diretamente à permanência do ministro.

Para evitar desagradar Guedes, segundo ministros palacianos, o Ministério da Defesa também deve postergar proposta de reestruturação da Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais) e da Imbel (Indústria de Material Bélico ).

O ministro Fernando Azevedo vinha tentando, em conversas com Guedes, garantir mais recursos orçamentários para projetos estratégicos do Exército e da Aeronáutica.

A pressão também vinha sendo feita por militares palacianos. Além de Marinho e Tarcísio, Guedes tinha divergido também de integrantes da cúpula militar, como os ministros Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

Para integrantes do núcleo fardado, a política fiscal do ministro tem atrapalhado o desenvolvimento estrutural do país e ameaçado uma reeleição do presidente.

No passado, ministros militares chegaram a até mesmo defender a separação de Planejamento da Economia, em esforço para conseguirem um novo canal de diálogo para negociações orçamentárias.

A ideia, no entanto, foi refutada por Bolsonaro, justamente para evitar uma saída prematura de Guedes do governo.

Auxiliares de Guedes afirmam que a necessidade de Bolsonaro buscar capital político para ser bem-sucedido nas eleições de 2022 já traz problemas na condução da economia e atrapalha a pauta liberal.

A agenda defendida por Guedes desde o início do governo toca em temas politicamente sensíveis e vai contra interesses que geram vantagens eleitorais, como a ampliação de gastos e o reforço nos investimentos em obras públicas, por exemplo.

Em seu discurso de posse em fevereiro de 2019, Guedes elencou as privatizações como o segundo principal pilar de sua gestão, depois da reforma da Previdência.

Um ano e meio depois, essa agenda não avançou e culminou com o pedido de demissão de Salim Mattar da secretaria que cuida das desestatizações.

A reforma administrativa, que busca um enxugamento dos gastos com o funcionalismo público, também foi citada como prioridade por Guedes em sua posse.

Nesta terça-feira (12), no entanto, o secretário Paulo Uebel, responsável pela proposta, também pediu demissão após meses de tentativas de apresentar o texto.

Auxiliares afirmam que dificuldades impostas pelo Congresso ou pressões das alas política e militar do governo são problemas menores quando se compara à necessidade de construir uma agenda que viabilize a reeleição do presidente.

Nesta semana, a Folha mostrou que Bolsonaro já começou a implementar um projeto de longo prazo para aumentar as chances de ser reeleito. O plano inclui inaugurações de obras, medidas de impacto social e articulações em torno de uma chapa eleitoral.

Diante da preocupação do presidente com as perspectivas eleitorais e o peso das corporações em Brasília, membros do Ministério da Economia avaliam que as privatizações seguirão com grandes dificuldades até o fim do governo.

A principal meta de Guedes, vender a participação do governo na Eletrobras, está longe de avançar.

Com o atuante lobby de servidores públicos, a reforma administrativa também é vista como uma proposta de difícil concretização.

Com parte de sua agenda enfraquecida, Guedes diz não abrir mão da política de austeridade e controle dos gastos públicos no pós-pandemia. Técnicos que participam da elaboração do Orçamento afirmam que as pressões de ministérios por aumento de gastos está muito pior do que em anos anteriores.

Em declaração que foi interpretada como um recado a Bolsonaro, o ministro afirmou nesta terça que tentativas de furar a regra do teto de gastos levarão o presidente a "uma zona sombria, uma zona de impeachment".

Apesar das dificuldades, pessoas próximas a Guedes afirmam que ele segue firme no cargo. A equipe do ministro confia na aprovação de mudanças estruturais, como novos marcos legais para investimentos privados e a reforma tributária.

Entre auxiliares do ministro, a avaliação é que Guedes segue como fiador da pauta econômica e que a credibilidade do governo poderia ruir se ele optasse por deixar o cargo.

Na parte do governo que defende a expansão dos gastos públicos, a avaliação é que a debandada reforça a influência do Ministério da Economia, pelo menos por enquanto, no Palácio do Planalto.

Apesar de o plano de concluir obras paralisadas —e percorrer o Brasil para lançá-las— continuar, a proposta de ampliar o orçamento para obras deve passar por uma reformulação.

A aposta da reformulação do Minha Casa Minha Vida segue gerando divergências entre o Ministério do Desenvolvimento Regional e o Ministério da Economia, apesar da intenção de lançar o novo programa social até o fim do mês.

Em relação aos planos de privatizações, interlocutores do governo viram a saída de Mattar como uma forma de destravar os projetos da área.

Com origem no setor privado, o ex-secretário tinha métodos distintos do que se vê no setor público e, na avaliação desses assessores, falhava no diálogo com o Congresso para conseguir fazer as propostas avançarem.

 

 

 

Da Folha de São Paulo